Laudos por Telepatia

Com a profusão de solicitações de laudos, surgem oportunistas que vendem tal “produto” como se fosse mercadoria de pronta entrega. Conheça as consequências dessa atitude e também como utilizar corretamente os termos: atestado, declaração, laudo, parecer e relatório.

(maio / 2017)

Apesar das leis, das tentativas de moralização no setor público, de ações judiciais devidas a acidentes provocados por negligência profissional e de certo rigor por parte de órgãos públicos, ainda persiste no mercado a existência de grande quantidade de laudos feitos por “telepatia”, ou seja, emitidos sem a presença do profissional no local dos fatos. São atividades conhecidas por acobertamento e falsidade ideológica, cometidas por profissionais “caneteiros” (aqueles que emprestam sua assinatura sem a efetiva participação técnica). Tais atitudes colocam em risco a sociedade e denigrem a engenharia.

Quando se consegue identificar e provar tal atitude, e denunciá-las ao Crea – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, o Código de Ética Profissional costuma ser aplicado de forma exemplar. Dependendo da gravidade da situação, ainda caberá ação penal por falsidade ideológica, que poderá resultar na reclusão do profissional.

Geralmente os documentos fraudulentos são emitidos para ludibriar prefeituras, Corpos de Bombeiros, Ministério do Trabalho, distribuidoras de energia elétrica, seguradoras, clientes, certificadoras de sistema de gestão da qualidade, do meio ambiente e da segurança do trabalho, entre outros. Ainda impera uma alarmante indústria de assinaturas e de ARTs – Anotação de Responsabilidade Técnica indevidas.

Basicamente são dois os fatores que levam profissionais a se submeterem a essa danosa e vergonhosa atitude. Um deles é a ganância pelo dinheiro fácil, que os leva a emitir documentos técnicos sem realizar rigorosa avaliação técnica. Outra razão é a ocultação de situações de risco e/ou de não atendimento a requisitos normativos e legais existentes no empreendimento, apenas para satisfazer o cliente. Nesses casos, o profissional assume o risco de receber as devidas punições por conta de alguns trocados.

Não fosse a indústria dos caneteiros em plena atividade, cerca de 80% dos estabelecimentos inspecionados de acordo com a Instrução Técnica nº 41 do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo (IT-41), não seriam considerados aptos a receberem o AVCB – Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros na primeira inspeção. Da mesma forma, um simples olhar nas instalações e na documentação da maioria das empresas que possui atestado de atendimento às exigências da Norma Regulamentadora nº 10 (NR-10) do Ministério do Trabalho e Emprego, denuncia que nem mesmo o item 10.1.2 (observância às normas da ABNT) é atendido, quiçá os demais.

Em caso de acidentes, se constatada a inconsistência ou inverdade do laudo da instalação, a seguradora pode se recusar a proceder à cobertura dos prejuízos. Inclusive, algumas companhias se valem de profissionais qualificados para identificar esse tipo de fraude.

Um ponto positivo é que como esses pseudolaudos ficam devidamente arquivados nos órgãos competentes, por ocasião de um sinistro, ou até mesmo de uma auditoria por amostragem, basta solicitar cópia desse documento para encontrar o responsável pela malfeitoria.

Vale ainda destacar que o termo “laudo técnico”, tem sido utilizado de forma incorreta, tanto por parte dos profissionais da engenharia quanto dos órgãos oficiais. Esse termo se refere a atividades de perícia, e não de vistoria ou inspeção – que são as desejadas nas aplicações aqui mencionadas. Além disso, ocorre outro erro, que faz parte das investidas dos caneteiros e dos incautos, que é o de estabelecer um prazo para a validade do laudo. Nesse caso, o objetivo é garantir a perpetuidade dos serviços. Ora, laudo não possui validade. O serviço sim, tem periodicidade mínima estabelecida em lei, norma técnica ou política de gestão da empresa.

Para melhor entendimento e esclarecimento, seguem as definições dos documentos que devem ser emitidos pelo profissional em função da atividade desempenhada:

Atestado:
1 – Declaração assinada em que alguém atesta a verdade de um fato[1].

Declaração:
1 – Texto formal em que se declara algo[1].
2 – Atestação por uma primeira parte. Por sua vez, atestação é a emissão de uma afirmação, baseada numa decisão feita após análise crítica, de que o atendimento aos requisitos especificados foi demonstrado[2].

Laudo:
1 – Texto fundamentado, através do qual peritos expõem as observações e estudos que efetuaram sobre algum assunto[1].
2 – Peça na qual, com fundamentação técnica, o profissional habilitado como perito relata o que observou e apresenta as suas conclusões, ou avalia o valor de bens, direitos e/ou empreendimentos[3].
3 – Parecer técnico escrito e fundamentado, emitido por um especialista indicado por autoridade, relatando resultado de exames e vistorias, assim como eventuais avaliações com ele relacionados[4].

Parecer (técnico):
1 – Opinião emitida por um especialista em determinada matéria[1].
2 – Expressão de opinião, tecnicamente fundamentada, sobre determinado assunto, emitida por especialista[3].
3 – Relatório circunstanciado, ou esclarecimento técnico emitido por um profissional capacitado e legalmente habilitado sobre assunto de sua especialidade[4].

Relatório:
1 – Exposição oral ou escrita acerca de fato(s), com a discriminação de todos os seus aspectos ou elementos [1].

Deve-se observar que tanto a NR-10 quanto a IT-41, não utilizam o termo laudo para se referir ao documento técnico exigível. O termo correto para o documento emitido após uma vistoria ou inspeção é relatório (de vistoria ou de inspeção), com ou sem o correspondente parecer. Para o caso da IT-41, além do relatório (a ser entregue ao cliente), o profissional deve emitir um atestado a ser entregue ao Corpo de Bombeiros.

Isso pode parecer preciosismo redacional, mas não é. Para a emissão de cada um desses documentos existem procedimentos, ritos e condutas específicas. O profissional precisa conhecer essas nuances para desenvolver o trabalho de forma adequada à sua finalidade e também para não transgredir a ética profissional (Resolução nº 1002 do Confea – Conselho Federal de Engenharia e Agronomia).

Referências:
[1] Academia Brasileira de Letras: Dicionário escolar da língua portuguesa. Cia. Ed. Nacional. São Paulo, 2008.
[2] Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT: NBR ISO/IEC 17000: Avaliação de conformidade – Vocabulário e princípios gerais. Rio de Janeiro, 2005.
[3] Brasil. Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo – Crea-SP. Orientações para o exercício das atividades de engenharia e agronomia em serviços e obras públicas. São Paulo.
[4] Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias – Ibape: Glossário de terminologia básica aplicável à engenharia de avaliações e perícias do Ibape/SP. São Paulo, 2002. Disponível em http://www.ibape-sp.org.br.

NOTA: Artigo publicado na revista Eletricidade Moderna de mai/2017. A versão ora apresentada possui pequenas modificações.

 

 

 

Autor: Paulo E. Q. M. Barreto

Engenheiro eletricista, membro do CB-03/ABNT, coordenador da Divisão de Instalações Elétricas do Instituto de Engenharia, ex-Conselheiro do Crea-SP, consultor e diretor da Barreto Engenharia. www.barreto.eng.br