(agosto/2018)
Ninguém joga dinheiro fora intencionalmente, mas a busca insana pelo mais barato conduz a situações que podem gerar despesas futuras desnecessárias e passivos não percebidos, devido a atitudes impensadas e irresponsáveis.
Essa postura é uma perigosa e endêmica erva daninha presente na maioria das empresas. Em geral, quem compra o mais barato, acaba, na verdade, gastando mais do que o previsto ou mais do que economizou, em boa parte das contratações de prestação de serviços e compras de produtos, já que, poderão surgir retrabalhos, modificações, maior investimento na implantação de um projeto ou maior despesa futura em manutenção e vida útil.
Nas relações entre contratantes e contratados, observa-se o enorme despreparo do setor de compras para exercer sua principal função. Após aberta a concorrência, tomada de preços, carta-convite ou qualquer outro rótulo dado a uma modalidade de contratação de prestação de serviços ou compra de produtos técnicos, o candidato a fornecedor tende invariavelmente a negociar com o setor de compras. Em geral, o parâmetro mais importante da negociação — e por vezes o único — é o preço. Surge aí a figura do “lesa-empresa”, ou seja, aquele que, mesmo sem perceber, irá prejudicar a empresa ao adquirir produtos ou serviços agindo desta forma. Muitas vezes sem ser retroalimentado quanto aos prejuízos causados. E o pior é que o “lesa-empresa” ainda é premiado por isso, haja vista que algumas empresas inserem na remuneração do comprador um bônus proporcional à redução de preço obtida na compra.
Devido a esse tipo de postura, surgem situações constrangedoras e hipócritas: o contratado finge que fornecerá o solicitado e o comprador finge acreditar, só para cumprir seu papel de comprar o baratinho. Já é mais do que sabido que nem sempre o menor preço é o melhor preço, nem a melhor opção de contratação. Deve-se ter em mente que não é proibido contratar serviços por um valor superior ao estimado ou das demais propostas apresentadas.
Nas grandes empresas, geralmente o setor de engenharia ou de manutenção é quem elabora parte dos requisitos de contratação de serviços e produtos de engenharia. Depois que os candidatos a fornecedores destrincham o assunto com a engenharia, a aquisição passa para o setor de compras, que se torna o poder decisório para o fechamento do pedido. É imprescindível que a área técnica participe do processo de contratação ou compra até o seu final, fazendo valer sua opinião, requisitos e especificações, a despeito das pressões de outros setores da empresa, que geralmente não terão de conviver com os efeitos desastrosos de uma contratação malfeita.
Por exemplo, aqueles que ainda compram disjuntor somente pelo valor da corrente nominal e quantidade de polos (50 A – 3P), ou cabo somente pela seção nominal (10 mm2), ou quadro de distribuição somente pela quantidade de polos (24 polos), ou eletroduto somente pelo diâmetro de rosca (Ø1”), precisam rever urgentemente seus procedimentos. O mesmo deve ocorrer com os critérios de escolha do projetista e com as diretrizes para elaboração do projeto de instalações elétricas.
Certa vez, o diretor industrial de uma empresa “apertou” de tal maneira o fornecedor de uma nova linha de produção, que ela foi fornecida sem o quadro de força. Resultado: ao iniciar a montagem da linha na fábrica do contratante, a área de manutenção teve de “fabricar” o quadro. Em outro caso, o lesa-empresa pressionou tanto um fornecedor para reduzir o preço que este retirou os filtros de harmônicas do inversor de frequência da máquina para chegar ao valor desejado (já que o comprador nem tinha ideia do que isso se tratava e também não o havia especificado). Após a energização e testes da máquina, percebeu-se o elevado valor da corrente (acima do previsto no projeto). Questionado, o fornecedor da máquina apresentou a brilhante solução: bastava adquirir filtros de harmônicas, … cujo preço de compra, a essa altura da história, era outro …
Mediante esses e tantos outros exemplos que surgem todos os dias, será que compradores e diretoria ainda não aprenderam que não existe o almoço de graça?
Todo profissional experiente que atua na prestação de serviços ou aquele que vende produtos elétricos conhece inúmeros casos de contratações ou compras que acabaram mal.
Este artigo foca a contratação de prestação de serviços de natureza intelectual e a costumeira alteração de especificação técnica em prol da enganosa redução de custos, maximização do lucro, otimização, reengenharia e tantos outros rótulos que representam sempre a mesma atitude: a busca insana pelo mais barato.
Serviços de natureza intelectual
O êxito dos serviços de natureza intelectual – contratação de projeto, consultoria, assessoria técnica, perícia, inspeção e serviços análogos – reside na competência do fornecedor.
Já é mais do que sabido que não se deve comprar serviço de natureza intelectual da mesma forma que se compra sacos de lixo. Ou será que o comprador quando vai escolher um médico ou laboratório para tratamento de saúde, também abre uma planilha com dez colunas e opta pelo menor preço?
Em serviços de natureza intelectual, por melhor que se defina um escopo, a forma de realizar o serviço é extremamente imponderável e diferente de um profissional para outro. Portanto, é bizarro tentar equalizar propostas para serviços desta natureza.
Tome-se como exemplo um determinado serviço de natureza intelectual orçado por dois fornecedores distintos, um por R$ 100 mil e o outro por R$ 60 mil. Como distinguir a melhor proposta? Será que a escolha da proposta mais barata poderá implicar em custo de execução muitas vezes superior à diferença economizada, ou gerar soluções inadequadas, ou ainda perigosas para a segurança do empreendimento? Será que não se deve desconfiar de tamanha discrepância de valor?
Afora essa questão, que aparenta ser meramente comercial, deve-se ainda atentar para o Código de Ética Profissional estabelecido pela Resolução nº 1002/2002 do Confea – Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, que determina no Art. 10, inciso III, alínea a): “No exercício da profissão são condutas vedadas ao profissional, apresentar proposta de honorários com valores vis ou extorsivos ou desrespeitando tabelas de honorários mínimos aplicáveis.” Tabelas essas usualmente elaboradas e publicadas pelas associações de classe e registradas no Crea – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia.
Especificações técnicas
Por vezes, com o objetivo de comprar mais barato e “esmagar” o instalador, um projeto de instalações elétricas elaborado de forma competente, com memorial descritivo e adequada especificação de materiais é modificado para que a execução se torne mais barata. Ora, as decisões do projetista não devem ser alteradas por pessoas que desconhecem as premissas, as decisões e os parâmetros que foram previamente definidos. Por conta de alterações irresponsáveis, que descaracterizam o projeto, pode-se colocar em risco a segurança do empreendimento e ainda gerar passivo despercebido. Alterações podem ser propostas, mas devem ter o aval do projetista para serem realizadas.
Lembro-me de um caso, que durante os testes do sistema de iluminação das áreas comuns de um edifício comercial, observou-se aquecimento excessivo dos condutores e desarme de disjuntores. Constatou-se que, em função da busca insana pelo mais barato, foi comprado um tipo de reator com baixo fator de potência, quando o projetista, acertadamente, havia considerado no dimensionamento, reatores com alto fator de potência. A irresponsabilidade da compra resultou em praticamente o dobro da corrente elétrica nos circuitos. Por fim, o instalador teve de substituir todos os reatores, com retrabalho, aumento de custo, atraso no prazo de entrega e desgaste com a construtora.
Afora esses dissabores, cabe ainda invocar o Art. 18 da Lei Federal nº 5194/1966, que regulamenta as profissões de engenheiro e engenheiro-agrônomo: “As alterações do projeto ou plano original só poderão ser feitas pelo profissional que o tenha elaborado. Parágrafo único – Estando impedido ou recusando-se o autor do projeto ou plano original a prestar sua colaboração profissional, comprovada a solicitação, as alterações ou modificações deles poderão ser feitas por outro profissional habilitado, a quem caberá a responsabilidade pelo projeto ou plano modificado”.
Não custa lembrar alguns princípios básicos:
- A fase de projeto é a mais barata de um empreendimento e deve ser contratada e administrada com competência, pois basta um deslize e o custo do empreendimento pode se elevar de modo inimaginável.
- Um projeto deve ser conduzido no seu devido tempo, já que é um serviço de natureza intelectual, que possui diversas soluções, as quais devem ser estudadas e avaliadas, com a participação do cliente, a fim de se tomar as melhores decisões, para que não ocorram muitas revisões durante a sua elaboração.
- As especificações técnicas de um projeto devem ser completas e seguidas à risca, principalmente na fase de compra.
- Para realizar qualquer alteração em um projeto, deve-se antes consultar o projetista.
- E, finalmente, que o barato pode sair muito caro.
NOTA: Artigo publicado na Revista da Instalação de ago/2018. A versão ora apresentada possui algumas modificações.