Vistoria? Inspeção? Auditoria? Perícia? Certificação?

Qual serviço você contrataria para avaliar o estado das instalações elétricas da sua empresa ou residência: vistoria, inspeção, auditoria ou perícia? E o produto gerado por esse serviço seria um relatório, parecer, laudo, atestado, certificado ou declaração?

(junho / 2014)

Provavelmente o leitor que tinha certeza do que solicitar, ao ler o resumo, ficou com uma pontinha de dúvida.

Este artigo apresenta a aplicação desses termos em instalações elétricas, mas que também são aplicáveis em diversos outros contextos.

Todos esses tipos de serviço (vistoria, inspeção, auditoria, perícia, certificação) visam a alguns objetivos, como por exemplo, avaliar o estado de obsolescência ou degradação das instalações, atender a legislação, identificar anomalias ou causas de acidentes, melhorar a segurança ou desempenho das instalações, entre outros. Portanto, é preciso saber bem o que se deseja para que a contratação alcance o objetivo desejado. 

Em um primeiro momento pode parecer preciosismo de vocabulário. No entanto, dependendo da situação de contratação, o uso inadequado de um termo pode gerar transtornos, desconfortos ou animosidades. O desconhecimento da definição do que se deseja contratar pode influenciar até o preço do serviço, ou pior ainda, pode-se não receber o que de fato se precisa.

Muito poderia ser descrito em cada tópico a seguir, mas optou-se por inserir explicações simples, curtas e práticas.

Exemplo

 Certa vez fui contatado por um engenheiro para verificar o estado da instalação elétrica da empresa na qual ele trabalhava e chegamos ao consenso de que o serviço seria uma inspeção. Até aqui convergimos na terminologia (e no que de fato deveria ser feito). Contudo, ele queria que eu entregasse um laudo, sendo que o resultado do serviço era um relatório. Expliquei a diferença entre os dois tipos de documentos, mas, como ele insistia no termo laudo, preferi encerrar a discussão. Ao final do trabalho, entreguei um relatório “batizado” de laudo, a fim de agradar ao colega!

Vistoria

 Nesta atividade, o profissional constata o que existe em uma instalação, sem análise técnica aprofundada. Trata-se de uma verificação superficial, breve, que até serve para detectar eventuais anomalias de fácil identificação, sem uso de equipamentos ou instrumentos. Não se tem a preocupação de identificar causas de alguma ocorrência, mas sim de registrar o que se vê e coletar informações. O resultado da vistoria é um relatório (de vistoria).

A vistoria também é utilizada pelos peritos para registrar o que há no local, que possa ajudar na elucidação de um caso (perícia). Nesse contexto, a vistoria acaba se atendo a detalhes específicos que tenham relação com o caso a ser analisado.

Inspeção

De modo simplificado, trata-se de uma vistoria seguida de análise técnica. Nesse contexto, a observação da instalação é seguida de uma análise e julgamento técnico, baseado em conhecimentos técnicos, científicos e normativos. Geralmente, o profissional emite um parecer sobre a situação de conformidade ou não dos itens inspecionados. É o tipo do serviço que se contrata quando se deseja avaliar as condições atuais de uso e de manutenção de uma instalação ou identificar e descrever um problema.

Recomendações para adequação de determinadas irregularidades podem ser agregadas ao serviço de inspeção, desde que devidamente contratada e remunerada. O resultado da inspeção é um relatório (de inspeção).

Auditoria

É uma avaliação que se faz em processos, e não em instalações. Portanto, é inadequado referir-se a “auditoria em uma instalação elétrica”. Pode-se sim fazer uma vistoria, inspeção ou perícia.

No âmbito das instalações elétricas, pode-se sim fazer uma auditoria nos processos de elaboração de projeto e de execução da instalação. Neste caso, o objeto da avaliação não são as questões técnicas, puramente, mas sim as organizacionais (procedimentos). O resultado da auditoria é um relatório (de auditoria).

Perícia

A perícia está praticamente restrita aos processos judiciais (ocorrência de acidentes ou avaliação de bens). Nesses casos, busca-se identificar as causas que motivaram o acidente, ou determinar o valor de um bem, com emissão de parecer técnico fundamentado, emitido por especialista(s) na matéria.

Em processos judiciais, é requerida perícia técnica quando o juiz não se sente capaz de emitir opinião a respeito do assunto com base apenas na legislação (por se tratar de matéria técnica ou científica), ou quando as partes em litígio pedem ao juiz a realização da perícia. O perito então terá a tarefa de esclarecer e fundamentar os fatos técnicos, em linguagem de fácil compreensão, para auxiliar o juiz a julgar o caso. O resultado da perícia é um laudo (pericial ou de avaliação).

Fora do âmbito judicial contrata-se uma perícia quando se deseja elucidar um fato de certa responsabilidade ou complexidade.

Certificação

É um dos mecanismos utilizados para avaliar a conformidade de um objeto. Deve ser realizada por terceira parte (independente), ou seja, por quem não é parte interessada no objeto a ser certificado.

Quando a certificação é realizada com base em Programas de Avaliação da Conformidade – PAC estabelecidos pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro, o objeto certificado recebe um selo de conformidade (Marca de Conformidade).

O objetivo de uma avaliação da conformidade (pelo mecanismo da certificação ou por outro estipulado entre as partes) é verificar se o objeto avaliado atendeu aos requisitos que foram especificados, ou seja, se está “conforme” ou “não conforme”. Neste particular, por vezes têm sido utilizados pelo mercado os termos “inconformidade” e “desconformidade”. Apesar de existirem nos dicionários, não são termos utilizados no âmbito da avaliação da conformidade.

Com as explicações apresentadas e as definições formais mostradas a seguir, facilmente se observa que esses termos têm sido utilizados de forma inadequada em certas situações de contratação de serviços de engenharia.

Comumente, têm sido contratados serviços de perícia para recebimento de obra, quando este é um caso típico de inspeção. Afinal, pressupõe-se que, na fase de entrega de uma obra, não ocorreu nenhum acidente, sinistro ou nada aparentemente inexplicável que justifique uma perícia.

Além do que, como são atividades distintas (perícia e inspeção), que seguem ritos específicos, se o profissional não souber como atuar em cada uma dessas situações, poderá haver distorções no trabalho realizado. Ou seja, contrata-se perito para perícia e inspetor para inspeção.

Também, na (boa) onda das contratações de serviços para verificar se uma instalação elétrica está “em ordem”, por vezes são solicitados “laudos”, quando o correto é um relatório de inspeção.

Definições

 A seguir, são apresentadas algumas definições para melhor compreensão e fundamentação do que foi exposto neste artigo. É necessário observar que as definições apresentadas podem ter o seu entendimento restrito ao âmbito de atuação das fontes pesquisadas. Portanto, podem não ser definições generalistas.

Vistoria:

1 – Inspeção ou revista de caráter oficial ou não, feita por peritos para determinado fim.[1]

2 – Atividade que envolve a constatação de um fato, mediante exame circunstanciado e descrição minuciosa dos elementos que o constituem, sem a indagação das causas que o motivaram.[3][4]

3 – Constatação local de fatos, mediante observações criteriosas em um bem e nos elementos e condições que o constituem ou o influenciam.[6]

Inspeção:

1 – Ato ou efeito de inspecionar; vista, exame, vistoria, fiscalização.[1]

2 – Exame de um projeto de produto, produto, processo ou instalação e determinação de sua conformidade com requisitos específicos ou, com base no julgamento profissional, com requisitos gerais.[2]

3 – Avaliação da conformidade pela observação e julgamento, acompanhada, conforme apropriado, por medições, ensaios ou uso de calibres”.[5]

Auditoria:

1 – Inspeção das operações contábeis de uma empresa ou instituição.[1]

2 – Processo sistemático, independente e documentado, para obter registros, afirmações de fatos ou outras informações pertinentes e avaliá-los de maneira objetiva para determinar a extensão na qual os requisitos especificados são atendidos. Nota: o termo auditoria se aplica aos sistemas de gestão.[2]

3 – Atividade que envolve o exame e a verificação de obediência a condições formais estabelecidas para o controle de processos e a lisura de procedimentos.[4]

Perícia:

1 – Exame ou vistoria de caráter técnico e especializado.[1]

2 – Atividade que envolve a apuração das causas que motivaram determinado evento ou da asserção de direitos.[3] [4]

3 – Atividade que envolve a apuração das causas que motivaram determinado evento, ou asserção de direitos, na qual o profissional, por conta própria ou a serviço de terceiros, efetua trabalho técnico visando à emissão de um parecer ou laudo técnico, compreendendo: levantamento de dados, realização de análise ou avaliação de estudos, propostas, projetos, serviços, obras ou produtos desenvolvidos e/ou executados por outrem.[5]

4 – Atividade técnica realizada por profissional com qualificação específica, para averiguar e esclarecer fatos, verificar o estado de um bem, apurar as causas que motivaram determinado evento, avaliar bens, seus custos, frutos ou direitos.[7]

Certificação:

1 – Atestação relativa a produtos, processos, sistemas ou pessoas por terceira parte.[2]

2 – Atestação da conformidade de um objeto realizada por terceira parte.[6]

Relatório:

1 – Exposição ora ou escrita acerca de fato(s), com a discriminação de todos os seus aspectos ou elementos.[1]

Laudo:

1 – Texto fundamentado, através do qual peritos expõem as observações e estudos que efetuaram sobre algum assunto.[1]

2 – Peça na qual o perito, profissional habilitado, relata o que observou e dá suas conclusões ou avalia, fundamentadamente, o valor de coisas ou direitos[3].

3 – Peça na qual, com fundamentação técnica, o profissional habilitado como perito relata o que observou e apresenta as suas conclusões, ou avalia o valor de bens, direitos e/ou empreendimentos.[5]

4 – Parecer técnico escrito e fundamentado, emitido por um especialista indicado por autoridade, relatando resultado de exames e vistorias, assim como eventuais avaliações com ele relacionados.[7]

Parecer (técnico):

1 – Opinião emitida por um especialista em determinada matéria.[1]

2 – Opinião, conselho ou esclarecimento técnico emitido por um profissional legalmente habilitado sobre assunto de sua especialidade. [3]

3 – Expressão de opinião, tecnicamente fundamentada, sobre determinado assunto, emitida por especialista.[5]

4 – Relatório circunstanciado, ou esclarecimento técnico emitido por um profissional capacitado e legalmente habilitado sobre assunto de sua especialidade.[7]

 Atestado:

1 – Declaração assinada em que alguém atesta a verdade de um fato.[1]

Declaração:

1 – Texto formal em que se declara algo.[1]

2 – Atestação por uma primeira parte. Por sua vez, atestação é a emissão de uma afirmação, baseada numa decisão feita após análise crítica, de que o atendimento aos requisitos especificados foi demonstrado.[2]

Referências Bibliográficas:

[1] ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário escolar da língua portuguesa. Cia. Ed. Nacional. São Paulo, 2008.

[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR ISO/IEC 17000: Avaliação de conformidade – Vocabulário e princípios gerais. Rio de Janeiro, 2005.

[3] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 13752 – Perícias de engenharia na construção civil. Rio de janeiro, 1996.

[4] BRASIL. Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – Confea. Resolução nº 342. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.confea.org.br>. Acesso em 13/06/2014.

[5] BRASIL. Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo – Crea-SP. Orientações para o exercício das atividades de engenharia e agronomia em serviços e obras públicas. São Paulo.

[6] BRASIL. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br>. Acesso em 13/06/2014.

[7] INSTITUTO BRASILEIRO DE AVALIAÇÕES E PERÍCIAS – IBAPE. Glossário de terminologia básica aplicável à engenharia de avaliações e perícias do Ibape/SP. São Paulo, 2002. Disponível em: <http://www.ibape-sp.org.br>. Acesso em 13/06/2014.

NOTA.: Artigo publicado na revista Eletricidade Moderna de jun/2014. A versão ora apresentada possui pequenas modificações.

Autor: Paulo E. Q. M. Barreto

Engenheiro eletricista, membro do CB-03/ABNT, coordenador da Divisão de Instalações Elétricas do Instituto de Engenharia, ex-Conselheiro do Crea-SP, consultor e diretor da Barreto Engenharia. www.barreto.eng.br