O quanto conhecemos?

Será que o universo que conhecemos sobre determinado tema já é suficiente para nele atuarmos com segurança?

(julho / 2007)

Para que a proposta de reflexão e de mensagem contidas neste artigo tenha êxito, convido os leitores a acompanharem esse raciocínio inicial com atenção, e a fazerem uma breve viagem a um passado distante, iniciando pelo curso primário (atual Fundamental I).

Em um primeiro momento poderá parecer sem sentido, ou então que existe alguma “pegadinha”, mas se o leitor se permitir entrar na brincadeira proposta e pensar na abrangência e na profundidade da questão, irá colher importantes benefícios. Vamos lá! 

Uma viagem ao passado

No ensino primário, tivemos a iniciação à matemática (ou se preferirem, à aritmética) e já éramos capazes de fazer contas com os números aprendidos.  Lembram-se qual era o resultado que dávamos para o exercício que pedia a solução da divisão de 4 por 2? Como disse no início, não há nenhuma “pegadinha” aqui.  Portanto, a resposta é mesmo “2”.

No entanto, nesta mesma época, quando pediam para resolvermos a divisão de 3 por 2,  o resultado que dávamos era: “professora, não é possível resolver; dá número quebrado!!”. Por que isso?  Porque até então só conhecíamos o conjunto dos números Naturais (N).  Continuando com os estudos, aprendemos o conjunto dos números Inteiros (Z) e depois o dos números Racionais (Q). Já podíamos então resolver aquela difícil conta de 3 dividido por 2; cujo resultado é  “1,5”.

Os estudos foram aprofundando-se e, a certa altura, nos apresentaram o conjunto dos números irracionais e o dos números Reais (R). Aprendemos as operações matemáticas de potenciação e radiciação. Podíamos então resolver, por exemplo: a raiz quadrada de 4. Que sabemos, resulta em “2”.

Aí chegou aquela fase difícil do então ginásio (atual Fundamental II) onde tínhamos de resolver equações de segundo grau (ax2 + bx + c = 0). Lembram-se que para chegarmos às raízes da equação, tínhamos de calcular um tal de “delta” que era representado por:  Δ= b2 – 4ac?  Pois bem, enquanto delta fosse positivo, não havia grande dificuldade, pois sabíamos como extrair a raiz quadrada de um número positivo. No entanto, quando o problema era “a raiz quadrada de (–Δ)”, novamente dizíamos: “professora, não é possível resolver; dá número negativo!”. E aí parávamos o exercício dizendo que “não existe solução”; ou então a professora refazia os dados do problema para que pudéssemos chegar a algum resultado e treinar aquelas contas todas.

E assim passamos boa parte da nossa fase escolar “acreditando” que não era possível resolver uma conta como: raiz quadrada de (-4). Ou então, desconhecendo o que ainda estaria por vir – ao menos no campo da matemática.

O tempo passou, e aqueles que tiveram a oportunidade de cursar o colegial (atual ensino médio) acabaram conhecendo outro conjunto matemático denominado conjunto dos números Complexos (C), ou Imaginários. Um novo mundo se abria e, ao mesmo tempo, quebrava-se o paradigma de que não havia solução para a raiz quadrada de um número negativo.

Conseguimos, finalmente, resolver aquela “impossível” conta da raiz quadrada de (-4), que resultava agora em “–i2”.

A esta altura do campeonato seria bom perguntarmos: e o que mais ainda não sabemos?

E eu com isso?

E o que esta história tem a ver com a minha atividade profissional?

Se formos analisar bem, desde o início da nossa formação profissional (ensino médio e ensino superior) até os dias de hoje, quanta coisa fomos aprendendo gradativamente? Quantos aspectos desconhecíamos e fomos descobrindo no meio do caminho? Quanto será que conhecemos sobre determinado assunto? Será que o meu conhecimento sobre determinado assunto técnico chega somente no nível do “conjunto dos números Reais”?  Será que o universo de informações que recebi já é suficiente para um julgamento e tomada de decisão?

Muitas vezes o profissional não está alerta para esses detalhes e acaba tendo um aprendizado em situações não muito agradáveis …

Como se pode concluir, vale o ditado de que quanto mais estudamos mais percebemos que pouco sabemos.

Pois bem, quando um profissional se dispõe a prestar um serviço (como autônomo) ou a tomar decisões e a desenvolver determinada atividade dentro da empresa da qual é funcionário, ele precisa pesar muito bem se o que ele conhece sobre o assunto é suficiente para garantir resultados adequados, sem colocar em risco a segurança das pessoas, dos bens e do processo produtivo; usando da melhor maneira possível os recursos financeiros que foram aplicados em tal finalidade; e ainda zelar pela sua integridade e reputação profissional.

Devido à constante redução do quadro de funcionários que as empresas vêm fazendo ao longo do tempo, o profissional acaba ficando “sozinho” nas empresas para a solução de todos os problemas que aparecem. Caso não se sinta à vontade, é prudente procurar apoio técnico em consultoria ou na contratação de todo o serviço em questão, com quem tenha competência para tanto.

Lembrar que com a formação acadêmica e com o registro no Crea, o profissional obteve o “poder de fazer”, com base na legislação profissional. E que isso é bem diferente do “saber fazer”, que representa a efetiva competência no encaminhamento das questões técnicas.

Este “saber fazer” deve ser encarado pelo profissional como uma permanente busca pelo conhecimento. É simplesmente inviável profissionalmente alguém desenvolver suas atividades com base apenas e tão somente com o que foi adquirido nos bancos escolares.

Providências

Leituras, palestras e cursos são bons momentos para aferirmos o nosso conhecimento sobre determinado tema. Mas se deve ressaltar que o universo sobre o assunto em questão não se esgota ali. Muito ainda existirá além do conteúdo abordado.

Portanto, ilude-se perigosamente aquele que pensa que participando de uma ou outra palestra ou curso, estará apto a tratar do assunto com competência. É sim um dos caminhos necessários para se atingir adequado aperfeiçoamento profissional e então poder se candidatar a especialista no assunto, mas, isso, após intensos estudos.

Ilustre-se esta assertiva com inúmeros exemplos de profissionais que procuraram participar do treinamento de 40 horas estabelecido na Norma Regulamentadora nº 10 do Ministério do Trabalho e Emprego (NR-10), com o único objetivo de sair de lá sendo um “multiplicador” ou um “professor” sobre o assunto, para aproveitar a “onda”! Ou ainda, de profissionais que não possuem a devida formação em uma determinada área e se arvoram a dar palpites nessa área (por exemplo: instalações elétricas), achando que apenas aquele singelo conhecimento que possuem é suficiente para tanto!

Por outro lado, ressalte-se que consultores, professores, palestrantes e formadores de opinião devem ter o cuidado e a responsabilidade de passar informação e conhecimento da forma como eles são e não da forma como “acham” que são.

O perigo não é desconhecer determinado assunto, mas sim, conhecê-lo de forma equivocada e distorcida.

NOTA.: Artigo publicado na revista Eletricidade Moderna de jul/2007. A versão ora apresentada possui pequenas modificações.

Autor: Paulo E. Q. M. Barreto

Engenheiro eletricista, membro do CB-03/ABNT, coordenador da Divisão de Instalações Elétricas do Instituto de Engenharia, ex-Conselheiro do Crea-SP, consultor e diretor da Barreto Engenharia. www.barreto.eng.br