Memorial descritivo de projeto

O memorial descritivo de projeto é tão ou mais importante do que os costumeiros desenhos. Será que ele tem sido construído e redigido de maneira adequada? Será que também tem sido objeto de “as built”?

(outubro / 2017)

Tão imprescindível quanto os desenhos de um projeto é o seu memorial descritivo. No entanto, ele tem sido desprezado por boa parte dos projetistas, que não percebem a importância desse documento e do seu conteúdo, até como eventual salvaguarda.

A norma técnica de instalações elétricas de baixa tensão da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 5410, estabelece quais são as partes mínimas constituintes de um projeto de instalações elétricas, a saber:

6.1.8.1      A instalação deve ser executada a partir de projeto específico, que deve conter, no mínimo:

a) plantas;
b) esquemas unifilares e outros, quando aplicáveis;
c) detalhes de montagem, quando necessários;
d) memorial descritivo da instalação;
e) especificação dos componentes (descrição, características nominais e normas que devem atender);
f) parâmetros de projeto (correntes de curto-circuito, queda de tensão, fatores de demanda considerados, temperatura ambiente etc.).

No memorial descritivo são inseridas as principais informações de ordem técnica para compreensão das soluções adotadas pelo projetista e suas fundamentações. Felizmente não existe uma regra ou um padrão para se produzir um memorial descritivo. Cada profissional tem total liberdade para elaborá-lo. Para os que pretendem criar ou melhorar o seu memorial, este artigo apresenta algumas sugestões de ordem estrutural, conforme segue:

  • Relação de documentos do projeto
         Nesta parte do memorial, é identificado cada documento constante do projeto (folhas de desenho, de detalhes, de tabelas de cabos, o próprio memorial, as especificações técnicas, etc.).
  • Escopo do projeto
         Neste item, o projetista informa a abrangência do projeto, com o maior nível de detalhamento possível. Existem casos em que o projeto contempla apenas parte das instalações elétricas – por exemplo: apenas a entrada de energia, ou só a prumada, ou o centro de medição, ou uma área dentro de uma edificação existente, etc. Por outro lado, há casos de subsistemas que não fazem parte do projeto, como, por exemplo, proteção contra descargas atmosféricas, controle de acesso, automação, sistemas de comunicação, etc.

É importante deixar bem claro qual é a abrangência do projeto.

  • Considerações gerais
         Nesse capítulo do memorial, são registrados conteúdos importantes que embasarão muitas decisões do projetista, como informações referentes à conceituação, premissas e decisões adotadas no projeto. O objetivo é que parâmetros importantes sejam facilmente identificados pelo executante e por quem for fazer a análise do projeto.

Também podem ser lançados nesse capítulo informações de ordem geral que não se enquadrem em nenhum outro capítulo do memorial.

  • Especificações das instalações
         São descritas as características básicas das instalações, com esclarecimentos ou complementos das informações contidas nos desenhos, como entrada e distribuição principal de energia elétrica, linhas elétricas utilizadas nos diversos ambientes, critérios adotados para as diversas proteções (choques elétricos, sobrecargas, curto-circuito, sub e sobre tensões, fuga à terra, etc.), explicações sobre os parâmetros adotados, sistemas de segurança, grupo motor-gerador, etc.
  • Especificações dos materiais
         Esta parte do projeto, que pode estar contida no memorial descritivo ou ser um documento independente, contém as características técnicas de todos os materiais que foram previstos no projeto, de forma clara, inequívoca e completa, de modo a permitir a sua aquisição sem contratempos e sem a necessidade de constante intervenção ou esclarecimentos por parte do projetista. A especificação deve ser elaborada de forma que não seja necessária a citação de fabricantes – salvo em casos muito específicos.

Trata-se de importantíssima etapa do projeto, uma vez que influenciará a compra dos materiais e também consigna exatamente o que o projetista especificou – informações estas que serão usadas em eventual embate ou litígio.

  • Outras
         As partes citadas são as principais e corriqueiras nos projetos em geral. No entanto, o memorial pode se estender, se o projetista tiver competência e tiver sido remunerado e contratado para tanto, podendo incluir tópicos como: especificação para execução (orientações de como executar a instalação); comissionamento (procedimentos para inspeção, ensaios e testes finais); manutenção (orientações sobre os critérios para realização de manutenção nas instalações); informações ao usuário (informações mais relevantes que devem ser fornecidas aos usuários das instalações para sua adequada operação).

Por vezes, surgem dúvidas sobre a pertinência de se fornecer as memórias de cálculo, no memorial descritivo ou em documento anexo. As memórias de cálculo se constituem em todo o desenvolvimento matemático e técnico (passo a passo) adotado pelo projetista para chegar ao dimensionamento final. Essas informações representam a técnica utilizada pelo projetista para fundamentar suas decisões. Enfim, é todo o cabedal de conhecimentos do autor do projeto. É o seu acervo. Normalmente as memórias de cálculo não são fornecidas com o projeto, e o projetista tem todo o direito de não fornecê-las. Afinal de contas, ele foi contratado (e remunerado) para elaborar um projeto, ou seja, fornecer “a solução”, e não “como chegar à solução”. Quem desejar saber “como”, pode se dedicar ao estudo dos assuntos por meio de cursos, treinamentos, leituras, etc., ou contratar consultoria específica.

Por outro lado, os parâmetros de projeto (citado em 6.1.8.1.f da NBR 5410) – informações e dados que foram considerados pelo projetista durante a elaboração do projeto e que nortearam sua concepção, dimensionamentos, especificações dos componentes e decisões tomadas – devem ser fornecidos. Eles são apresentados de forma resumida e direta na documentação (normalmente no memorial descritivo, esquemas unifilares e tabelas de cargas). São exemplos de parâmetros de projeto: potência de alimentação, corrente de projeto, fatores de demanda, fatores de diversidade, fatores de reserva, componentes harmônicas, fatores de correção térmica, temperatura ambiente (em cada local da instalação), queda de tensão, capacidade de condução de corrente de condutores, impedância do percurso da corrente de falta, corrente de curto-circuito presumida em todos os quadros de distribuição, influências externas, etc.

E ainda, a NBR 5410, em 6.1.8.2, estabelece que: “após concluída a instalação, a documentação indicada em 6.1.8.1 deve ser revisada e atualizada de forma a corresponder fielmente ao que foi executado (documentação ‘como construído’, ou ‘as built’)”. O que, na prática, torna-se uma tarefa obrigatória de quem executa as instalações (empresa instaladora).

O que se observa é que, na maioria dos casos de instalações inspecionadas, ou o as built não existia ou, quando existia, havia sido atualizado apenas nos desenhos, e não no restante da documentação (detalhes construtivos, memorial descritivo, especificação dos componentes). Devido à sua importância, o memorial descritivo também deve ser fornecido na condição as built, tanto quanto os desenhos.


NOTA.: Artigo publicado na revista Eletricidade Moderna de out/2017. A versão ora apresentada possui pequenas modificações.

Autor: Paulo E. Q. M. Barreto

Engenheiro eletricista, membro do CB-03/ABNT, coordenador da Divisão de Instalações Elétricas do Instituto de Engenharia, ex-Conselheiro do Crea-SP, consultor e diretor da Barreto Engenharia. www.barreto.eng.br