Projetos complementares!?

Projetos de instalações elétricas, hidráulicas, automação, climatização entre outros, não devem ser tratados como “projetos complementares”, mas sim como “projetos de engenharia”.

(setembro / 2016)

     O termo “projetos complementares” vem sendo utilizado há muito tempo para designar os projetos de instalações elétricas, hidráulicas, estrutural, climatização, automação, entre outros, que não os de arquitetura. Será que é correto se referir a esses projetos como projetos complementares? A resposta pode parecer simples, e por força do hábito existe a tendência de se embarcar na mente coletiva, sem questionar certos usos e costumes, e algumas incoerências passam despercebidas.

     Para responder a esta singela pergunta é preciso viajar no tempo, pesquisar alguns dicionários, legislação e até mesmo aplicar uma boa dose de interpretação sobre a linguagem não verbal. Ou seja: qual mensagem é de fato transmitida e interpretada pelo público quando se utiliza determinada palavra ou expressão?

     Apesar de ser um termo utilizado com frequência na área predial, é provável que seu uso tenha origem no Decreto Federal nº 23.569 de 11/12/1933, que regulamentou as profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor no Brasil. Por exemplo, o artigo 28 desse Decreto, cita: “São da competência do engenheiro civil (…) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção de edifícios, com todas as suas obras complementares”. Como o referido Decreto não definiu o que são obras complementares, resta buscar em outras referências o devido embasamento para o entendimento mais adequado desse termo.

     Da antiga Lei Municipal nº 8.266 de 1975 que trata do Código de Edificações do Município de São Paulo, obtém-se do Capítulo IX – Obras Complementares das Edificações, o que segue:

Art. 134 – As obras complementares executadas, em regra, como decorrência ou parte da edificação compreendem, entre outras similares, as seguintes: I – Abrigos e cabines; II – Pérgolas;         III – Portarias e bilheterias; IV – Piscinas e caixas d’água; V – Lareiras; VI – Chaminés e torres;     VII – Passagens cobertas; VIII – Coberturas para tanques e pequenos telheiros; IX – Toldos e vitrines.

     Da Lei Municipal nº 11.228 de 1992, que trata do Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo, obtém-se do item 1.1 – Conceitos: Obra complementar – edificação secundária, ou parte da edificação que, funcionalmente, complemente a atividade desenvolvida no imóvel.

     De onde se conclui que o termo “obras complementares” está relacionado a qualquer obra que complemente a obra principal. Ou seja, são exemplos de obras complementares de uma edificação residencial: a construção de garagem coberta (caso a cobertura não exista originalmente); a construção de uma edícula, piscina, portaria, sala de ginástica, entre outras. Não sendo, portanto, tais obras complementares, fundamentais para a existência da edificação. Se assim o fossem não poderiam ser consideradas complementares, mas sim, imprescindíveis, necessárias, parte da razão de ser daquele empreendimento.

     Uma instalação elétrica, por exemplo, não deve ser considerada complementar de uma obra, senão poderia ser encarada como não necessária (!) É sim, parte fundamental e imprescindível de uma edificação, sem a qual não se poderia utilizá-la como previsto.

     A construção de uma edificação, por mais simples que seja, é um processo que necessita de várias especializações para que possa atender à sua finalidade, com segurança, conforto e de acordo com os dispositivos legais e normativos.

     Por conta disso, imagina-se que a disseminação do termo “projetos complementares” como alusão aos projetos de instalações elétricas, telefônicas, hidráulico-sanitárias e outros, seja resultado da aplicação equivocada do termo “obras complementares”.

     Existe ainda uma conotação pejorativa no uso do termo “complementar” como se o projeto complementar tivesse menos importância no contexto da obra. Interpretação esta sem qualquer fundamento, mas é o que acaba sendo transmitido, seja de forma direta ou indireta, intencional ou não. Todos os projetos de engenharia têm a sua razão de ser e a devida importância para a utilização daquele empreendimento conforme previsto. Portanto, tais projetos não devem ser tratados como projetos complementares, mas sim como “projetos de engenharia” (elétrica, de telecomunicações, de hidráulica, de automação, de ventilação, de climatização etc.).

     Por outro lado, um projeto complementar é aquele que complementa o projeto inicial (original). Por exemplo, o projeto de uma subestação contempla determinada filosofia de concepção. Em um determinado momento faz-se a opção por instalar ventilação forçada nos transformadores. O projeto dessa ventilação forçada é um exemplo de projeto complementar ao anteriormente elaborado de instalações elétricas. No âmbito da construção civil, pode-se dizer que a construção de uma varanda sobre um projeto que não a contemplava, exige um projeto complementar para esta varanda. E assim por diante.

     Como se vê, o uso inadequado das palavras pode implicar em conclusões equivocadas, além de desvalorização e distorções quanto às atividades a serem desenvolvidas. Cabe aos profissionais tomar o devido cuidado e fomentar o uso adequado da terminologia para reverter o quadro aqui apresentado, retomando a velha e boa forma de identificação dos seus trabalhos. Trabalhos de engenharia. Projetos de engenharia. Obras de engenharia.

NOTA: Artigo publicado na Revista da Instalação de set/2016.

Autor: Paulo E. Q. M. Barreto

Engenheiro eletricista, membro do CB-03/ABNT, coordenador da Divisão de Instalações Elétricas do Instituto de Engenharia, ex-Conselheiro do Crea-SP, consultor e diretor da Barreto Engenharia. www.barreto.eng.br