(agosto/2017)
Inicialmente é necessário entender a obrigatoriedade do atendimento aos requisitos de uma norma ABNT e a diferença entre norma técnica e regulamento técnico. Cabe destacar que a ABNT é uma entidade civil sem fins lucrativos, cujo quadro social é composto por pessoas físicas e jurídicas. Trata-se, portanto, de uma entidade de direito privado, e não de poder público. Assim, não possui autoridade para estabelecer obrigatoriedade de cumprimento de normas técnicas, que nascem de uso voluntário. Já um regulamento técnico é publicado por uma autoridade (poder público) e é, por natureza, de uso compulsório.
Norma técnica é um documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido (no caso a ABNT), que fornece regras, diretrizes ou características mínimas para atividades ou para seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto. É, portanto, uma contribuição de grupos voluntários (que formam as Comissões de Estudos da ABNT) para a sociedade.
De acordo com o Art. 5º, inciso II da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Portanto, o que torna uma norma técnica de uso obrigatório é a lei, e não a ABNT. E existem documentos emitidos pelo poder público que estabelecem tal obrigatoriedade, como por exemplo:
-
- Art. 39, VIII do Código de Defesa do Consumidor: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – Conmetro.”
-
- O item 10.1.2 da Norma Regulamentadora nº 10 do MTE: “Esta NR se aplica às fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação, manutenção das instalações elétricas e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades, observando-se as normas técnicas oficiais estabelecidas pelos órgãos competentes e, na ausência ou omissão destas, as normas internacionais cabíveis.”
-
- O Art. 27, inciso I, alínea a) da Resolução Aneel nº 414/2010: “Efetivada a solicitação de fornecimento, a distribuidora deve cientificar o interessado quanto à obrigatoriedade de observância, na unidade consumidora, das normas e padrões disponibilizados pela distribuidora, assim como daquelas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, naquilo que couber e não dispuser contrariamente à regulamentação da ANEEL.”
Além disso, o fato de a ABNT ter sido declarada “único fórum nacional de normalização” pela Resolução nº 7 de 1992 do Conmetro, significa que, quando algum documento legal estabelecer que devem ser cumpridas, observadas, atendidas ou seguidas as “normas técnicas estabelecidas pelos órgãos oficiais competentes”, essas normas serão as da ABNT.
Vale destacar ainda que, pelo fato de uma norma não ter sido discutida, aprovada e promulgada pelo Poder Legislativo, não se deve dizer que “norma é lei” – expressão muito comum no meio técnico. Norma técnica é norma técnica.
Quanto à data colocada na primeira página de uma norma ABNT, o objetivo é indicar o prazo cujo início de aplicação do documento é recomendado (em geral, 30 dias). A maior parte dos usuários de normas técnicas considera esse prazo exíguo demais para leitura, interpretação, absorção, aplicação e, eventualmente, mudanças de procedimentos nas empresas. Para a comunidade técnica, esse prazo deveria ser de, no mínimo, 180 dias. Esse pleito já foi feito à ABNT por meio de respeitadas entidades de classe da engenharia quando da publicação da NBR 5419, mas a resposta da ABNT foi negativa. Isso denota certo distanciamento da direção da entidade para com a realidade dos usuários. Falta uma gestão mais producente da ABNT para tratar desse importante item, que pode gerar demandas judiciais desnecessárias, com prejuízos para empresas e profissionais, pela impossibilidade de se atender determinada norma de forma tão imediata.
Mas, a questão central não é essa, e sim se ela pode ser aplicada de forma retroativa. Poder pode, mas, deve ser feito com critério; não de forma impositiva, e sim por voluntariedade, e de comum acordo entre as partes. Por exemplo: muitos profissionais estão aplicando a última edição da norma NBR 5419, de 2015, em inspeções de instalações de proteção contra descargas atmosféricas executadas antes desta data, e seja por desconhecimento ou por má-fé, têm impingido despesas desnecessárias aos usuários. Não há respaldo legal para a aplicação obrigatória de qualquer norma ABNT de forma retroativa. Conforme estabelece o citado Art. 5º, inciso II da Constituição Federal, tem de existir lei que obrigue tal procedimento. Como não há – e em muitos casos, não deve haver – a aplicação retroativa é totalmente voluntária.
No caso da NBR 5419, parece que a confusão se deve ao fato de não constar uma frase análoga à que consta da NBR 5410, na seção que trata do objetivo da norma, a saber: “Esta Norma aplica-se às instalações novas e a reformas em instalações existentes”. De qualquer forma, isso deveria ser subentendido e considerado pelos profissionais nas inspeções. Para evitar problemas seria prudente que a Comissão de Estudos correspondente inserisse essa frase na NBR 5419 por meio de uma errata ou emenda.
Mais problemático ainda é quando profissionais que atuam em inspeções e em perícias, utilizam em seus trabalhos a edição mais recente de uma norma para verificar produtos ou serviços que foram fornecidos antes da data de entrada em vigor do documento. Como responsabilizar alguém por não ter utilizado um requisito que só foi estabelecido posteriormente? Ou seja, para avaliação, inspeção, perícia e emissão de parecer deve ser utilizada a edição da norma que estava em vigor à época em que foi entregue o produto ou prestado o serviço. Há ainda ocasiões em que poderá ser necessário utilizar mais de uma edição da mesma norma durante esses trabalhos, como é o caso de eventual reforma em uma instalação elétrica ocorrida nesse ínterim.
Cabe ressaltar que, mesmo não sendo compulsória a adequação de uma instalação às normas mais atuais, o proprietário ou usuário de instalações antigas deve providenciar inspeções periódicas, principalmente se for responsável por edificação de uso público. Neste caso, se identificado algum fator de risco que poderia ser eliminado ou mitigado com o uso de normas mais recentes, por precaução, deverão ser adotadas as medidas cabíveis para que, em caso de acidente (provado o nexo causal e a relevância da inadequação), ele não seja responsabilizado por negligência. Trata-se aqui do risco de responsabilização por negligência, e não pelo fato da instalação existente não estar conforme a norma mais atual.
Por fim, vale lembrar que Leis ou Regulamentos Públicos supervenientes podem impor essa adequação. Um exemplo é a exigência de instalação de cintos de segurança em veículos antigos que não o possuíam.
NOTAS:
1. Este artigo foi escrito em parceria com o Advogado Carlos Frederico Hackerott, consultor jurídico de empresas e entidades do setor da engenharia.
2. Artigo publicado na revista Eletricidade Moderna de ago/2017. A versão ora apresentada possui pequenas modificações.